Se olharmos para trás, desde o início da abertura comercial, das privatizações e em especial
após a estabilidade econômica, vamos perceber que nossa indústria passou por uma enorme transformação.
A abertura acirrou a concorrência, impôs a modernização da gestão e alterou profundamente
as estratégias empresariais. As linhas de produtos mudaram de forma radical o layout e o desenho das plantas. O mesmo
aconteceu com a gestão da qualidade. Um conjunto de atividades foi terceirizado, reduziram-se os níveis hierárquicos,
novos serviços foram agregados à industria, em especial no relacionamento com seus clientes e, tímida
e paulatinamente, a indústria incorporou uma agenda de inovação.
Em quase todos os setores industriais
a parte mais relevante do valor agregado foi deslocada para as etapas finais de produção e comercialização.
O fornecimento de insumos sofreu uma revolução. Na grande empresa essa mudança assumiu, por vezes, a
forma de uma procura global, em outras de um modelo de hierarquização dos fornecedores e a introdução
da noção "sistemista". A pressão ampla e generalizada pela redução de custos obrigou os
fornecedores a baixar preços.
Essa competição feroz foi impulsionada pela China, com sua "deflação"
de preços industriais. Muitas empresas valeram-se da possibilidade de ter insumos mais baratos e mantiveram sua posição
de mercado, escalando para cima a cadeia de valor. São empresas cuja posição depende de outros ativos,
muito deles intangíveis: sua rede de distribuição; seu pós-venda; a relação com
os consumidores; ou ainda a sua marca e propriedade intelectual. Outras deslocaram suas plantas industriais ou parte de seus
processos produtivos para a Ásia.
Isso tem tirado muita gente do mercado. Em termos agregados, o que sobra
é um aumento das importações de bens finais ou a elevação do conteúdo importado
da produção industrial. Esse jogo significou abandonar a tarefa árdua da manufatura e se dedicar mais
e mais a encontrar soluções para a clientela. Ou seja, escalar as etapas de maior valor agregado. Todos seguem
aqui o que a IBM já tinha feito década atrás.
Para poucos países, aqueles capazes de gerar
superávit na sua conta de serviços, esse também não é um problema completamente insolúvel.
A relação entre os Estados Unidos e a China é o exemplo marcante dessa nova realidade. Mas, para a maior
parte dos países, aqueles incapazes de gerar superávit na conta de serviços ou que não contam
com uma base de commodities para equilibrar seu saldo comercial, o desafio é muito maior.
No Brasil, vivemos
a dubiedade de sermos competitivos em commodities e de termos um sistema industrial importante. Somos de um lado beneficiados
pelo aumento dos preços de minérios e produtos agrícolas; mas sentimos a concorrência direta da
produção manufatureira da Ásia. O pior de nossa posição é que um conjunto de fatores
sistêmicos e de equívocos de política econômica realimenta esse processo.
Baixa escolaridade,
juros altos, encargos e tributos elevados e burocracia excessiva compõem um custo sistêmico que compromete a
competitividade. Para agravar tudo, na maior parte do tempo o câmbio esteve valorizado. Pior, todos os sinais indicam
que o câmbio deve seguir valorizado em termos estruturais.
Abrir mão de nossa base industrial é
um equívoco que poucos, nesta altura do desenvolvimento Brasileiro, cogitam. Mas manter e ampliar essa base industrial
requer ações de médio e longo prazo que ainda patinam. Não há no horizonte próximo
qualquer sinal de mudanças substantivas capazes de proporcionar maior funcionalidade ao estado Brasileiro. Por conseguinte
o espaço de manobra que nos resta é trabalhar para uma agenda de competitividade em outras frentes.
Temos
três questões complicadas a resolver: não permitir valorizações do câmbio e reduzir
sua volatilidade; melhorar a qualidade do ensino e expandir de forma rápida a formação média,
técnica e superior, especialmente em engenharia; reduzir o custo de capital e facilitar o acesso ao crédito
de longo prazo. Não são tarefas simples e há anos elas habitam nossa agenda de "futuro". Mas sem encará-las
de frente será difícil assegurar competitividade ao sistema produtivo Brasileiro.
Há ainda uma
outra frente de trabalho fundamental para o futuro da indústria. Trata-se de ampliar de forma significativa o esforço
de inovação do setor privado Brasileiro. Há espaço aqui para ganhos de competitividade que terão
fortes impactos tanto macro, quanto microeconômicos. É uma agenda consensual, mas nem por isso será fácil
de ser implementada.
Precisamos ampliar os incentivos às empresas para inovar e, em especial, fazer pesquisa
e desenvolvimento. Esses incentivos melhoraram nos últimos anos, mas estão muito aquém do que fazem os
países com os quais concorremos. precisamos também articular planos, negociados com a iniciativa privada, do
que vamos fazer nos setores produtivos que são estratégicos para nosso desenvolvimento.
Nossa forma
de abordar a inovação é ainda tímida. Ou apoiamos projetos isolados ou formulamos planos nacionais
pouco efetivos. Nossos planos são, em geral, formulações muito abstratas e de baixo impacto no sistema
produtivo, na maioria das vezes organizadas por grandes áreas do conhecimento. Já há aprendizado suficiente
em nossas agências e no setor privado para darmos esse salto.
Ele é mais do que necessário, pois
essa é uma frente de trabalho que depende apenas de nosso esforço. Podemos fazer da inovação um
tema relevante para dezenas de milhares de empresas Brasileiras. Não é uma tarefa simples e vai requerer perseverança.
Mas é possível e pode sinalizar um caminho positivo para dar sustentabilidade à base industrial Brasileira
nesse complexo cenário internacional que temos pela frente.
*Rodrigo da Rocha Loures é presidente da
Federação das Indústrias do Paraná.
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