Energia

Conselho de Energia debate panorama do mercado de carbono

Reunião contou com participação de especialistas que falaram sobre tendências internacionais e discussões legislativas no Brasil

16/08/2022

O mercado de carbono e as oportunidades que podem ser exploradas pela indústria nessa área foram abordados na última reunião do Conselho Temático de Energia da Fiep, realizada em 11 de agosto. Para explicar o assunto e mostrar como ele vem sendo tratado no Brasil, inclusive do ponto de vista legal, participaram do encontro Juliana Falcão, gerente de Clima e Energia da Confederação Nacional da Indústria (CNI); e Felipe Bottino, fundador da Green Domus, empresa que presta serviços de consultoria, auditoria e verificação no setor de sustentabilidade.

O coordenador do Conselho de Energia, Rui Londero Benetti, ressaltou que, embora já seja discutido há tempos, esse é um tema em que as indústrias cada vez mais precisarão se aprofundar. “Mesmo que não haja penalidades, as próprias empresas têm que criar essa conscientização”, declarou.

Em sua palestra, Bottino destacou que, realmente, o tema das mudanças climáticas causadas pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa não é novo. Para isso, citou uma declaração feita em 1896 pelo químico sueco Svante Arrhenius, que dizia que se as emissões de CO2 dobrassem, a temperatura do planeta aumentaria em 5 ou 6. Em 2014, o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC) afirmou que, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem sem restrição, o planeta observará um aumento de temperatura entre 3,5 e 6,5 graus.

“O que é novo é a gente estar reagindo à situação, que é um problema global”, disse Bottino, que é também presidente da Abraveri, associação brasileira de empresas de verificação e certificação de inventários de gases de efeito estufa e de relatórios socioambientais. “Por isso esse tema dos mercados de carbono é algo que está ganhando bastante tração ultimamente. A transição para uma economia de baixo carbono já é uma realidade, não é mais tema de futurologia, e o ritmo com que isso vai acontecer e as oportunidades que serão aproveitadas ou não, vão determinar muito de como as empresas e os setores vão se organizar e se preparar para esse futuro que já está acontecendo”, acrescentou.

Ele explicou que, no mundo, o setor de energia – para eletricidade, aquecimento ou transporte – é o principal responsável pelas emissões de gases de efeito estufa, respondendo por 72% do total. “E, dentro do setor, boa parte dessa energia é para manufatura. Não à toa, os mercados de carbono no mundo estão muito ligados à atividade de energia renovável, porque se o problema está na energia fóssil, a solução está numa energia que não seja fóssil”, disse.

Nesse ponto, o Brasil parte com vantagem, já que o país possui uma matriz energética baseada em fontes renováveis. Assim, apenas 18% das emissões de CO2 brasileiras estão ligadas à energia. “O fato da nossa energia ser limpa não é um mero acidente, está relacionado com opções que o país fez por energia renovável para a eletricidade, por combustíveis renováveis, e isso gerou um resultado. O reconhecimento de um bom trabalho feito aqui é algo que tem que fazer parte desse pacote de negociação global do que compete a cada um na agenda de combate às mudanças climáticas”, afirmou. Por outro lado, o país tem 75% de suas emissões resultantes da mudança de uso da terra e florestas, além da agropecuária. “Não à toa, o Brasil é internacionalmente cobrado por suas emissões nessas áreas”.

Precificação do carbono
Felipe Bottino destacou, ainda, que mesmo com todos os alertas referentes às mudanças climáticas e seus efeitos sobre a humanidade, o que realmente pesa para que medidas de mitigação sejam tomadas são os efeitos econômicos desse cenário. “O mundo financeiro entendeu que não fazer nada em relação ao clima seria um anti-seguro, porque se eu continuo a atividade normal agora, no futuro o sinistro vai custar muito caro”, explicou. Citando estudos econômicos, disse que entre 5% a 20% do PIB mundial podem ser perdidos, ano a ano, em decorrência das mudanças climáticas. “Em contrapartida, se a gente investir em mitigação 1% do PIB mundial ano a ano, a gente pode evitar esse prejuízo. Então a conta é simples: é de 5 a 20 vezes o ganho de se fazer esse seguro e mitigar essas emissões”, justificou.

É nesse contexto que surge o mercado de carbono. “É uma estratégia inteligente de colocar os incentivos para funcionar a nosso favor”, disse. Para isso, dentro de convenções internacionais e regras próprias, os países têm buscado definir níveis aceitáveis de emissão, identificar os emissores e quantificar suas emissões, mostrando quem tem índices abaixo e acima do aceitável. “Aí sim é possível ter uma base de dados para começar a falar em mercado de carbono, em que quem está abaixo (dos níveis de emissões) tem um crédito e pode vender para quem está acima”, explicou.

Regulação no Brasil
Para mostrar como está o panorama desse tema no país, especialmente no que se refere a uma legislação que regulamente o mercado de carbono, Juliana Falcão falou sobre os estudos e articulações que a CNI vem realizando nos últimos anos. Inicialmente, explicou que existem três modelos de mercado de carbono no mundo: o Mercado Voluntário, baseado em reduções verificadas de emissões feitas espontaneamente pelas empresas; o Mercado Regulado Interno, em que países definem suas próprias regras para permissões e créditos de carbono, com obrigações legais; e o Mercado Regulado por Adesão Voluntária, que segue regras aprovadas na COP 26, a última cúpula global do clima.

No Brasil, estão em discussão as regras para a criação de um Mercado Regulado Interno – modalidade que, em 2021, movimentou cerca de US$ 56 bilhões em todo o mundo, contra apenas US$ 1 bilhão do Mercado Voluntário. Segundo a gerente, a CNI defende três ações básicas para que haja sucesso nessa área. A primeira é o estabelecimento de um ambiente institucional robusto, com uma governança para a implementação desse mercado, com participação do setor produtivo. A segunda, articular e apoiar a aprovação de uma lei para regulamentar o mercado, na forma de um Sistema de Comércio de Emissões no Brasil. E, por fim, a consolidação de um sistema consistente de Mensuração, Relato e Verificação (MRV), articulando com o setor produtivo sua implementação.

Atualmente, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 528/21, apresentado pelo deputado Marcelo Ramos (PSD-AM). Com articulação da CNI, foi apresentado um texto substitutivo à proposta, mais adequada às demandas do setor industrial. O projeto teve uma tramitação rápida nas comissões da Casa, mas em março de 2022 surgiu um novo texto do Poder Executivo, com teor diferente do que havia sido proposto e apoiado pela indústria. Depois disso, em maio deste ano, foi assinado o Decreto 11.075/22, que dispõe sobre as diretrizes para elaboração de Planos Setoriais para Mitigação das Mudanças Climáticas, seguindo a lógica de assinatura de protocolos de intenções com os diferentes setores abrangidos.

“Nosso posicionamento é manter a discussão desse assunto no Congresso”, disse Juliana. “Para a gente, não existe mercado de carbono regulado sem uma lei que dê base, segurança jurídica e que possa apresentar regras claras para esse mercado”, acrescentou. Segundo ela, isso é o que ocorre em todos os exemplos internacionais analisados pela CNI. “Todos eles têm sistemas de relato obrigatórios inscritos em lei, por isso também a gente entende que uma lei é fundamental para que esse mercado se desenvolva”, explicou.