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Estudos desfazem mitos sobre plantas medicinais

Publicado em 06/06/2018

Já faz tempo que uma planta com barba no nome atrai as brasileiras. Basta uma consulta na internet para verificar que o barbatimão é considerado a ?casca da mocidade? ou o ?amigo da mulherada? por blogs. Recomendado para, dentre outras coisas, restaurar a virgindade ou coisa que o valha. O barbatimão não precisou esperar a invenção da internet para se popularizar.

Os tupis já o conheciam como ybá timõ ou ?árvore que aperta?. Mas o barbatimão, como as demais plantas medicinais brasileiras, passa pelo que pesquisadores chamam de erosão cultural, ou a degradação do saber tradicional. Usos, receitas e as próprias plantas desaparecem mais depressa do que a capacidade de registrar e identificar quais, dentre eles, representam mais que tradição e funcionam de verdade.

CHINA E ÍNDIA CAPITALIZAM COM A MEDICINA TRADICIONAL

Agora, cientistas mineiros correm para recuperar esse conhecimento. Querem não somente catalogar os usos quanto descobrir quais deles são validados pela História e podem dar origem a remédios mais seguros, baratos e inovadores. Esse conhecimento, valioso em qualquer lugar, no Brasil morre sem provocar lágrimas. Diferentemente do que acontece em países como a China e a Índia, que lucram com a medicina tradicional e conhecem todas as receitas.

Aqui, os povos indígenas que aprenderam a usar essas plantas foram quase todos extintos. Depois, os conquistadores portugueses e os escravos africanos trouxeram espécies estrangeiras que hoje se pensa serem nossas ? e não são. As comunidades tradicionais, com seus raizeiros donos do conhecimento secular, minguam a cada dia. E o que sobrou do Cerrado e da Mata Atlântica, por exemplo, é devastado. Isso tudo compõe o que os cientistas consideram a erosão cultural da biodiversidade.

? Na verdade, o brasileiro continua firme em seu complexo de vira-lata. Menospreza e ignora conhecimento e riqueza próprios e importa, muitas vezes, bobagens ? afirma Maria das Graças Lins Brandão, uma das mais importantes especialistas nas propriedades medicinais da flora, do Centro Especializado em Plantas Aromáticas, Medicinais e Tóxicas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ela é uma das autoras de um recém-publicado estudo sobre o conhecimento tradicional de plantas medicinais brasileiras. A pesquisa trata de duas de um conjunto de pelo menos 40 espécies que o grupo da UFMG pretende investigar. Faz companhia ao barbatimão a ?árvore das virtudes? dos primeiros exploradores portugueses, a copaíba.

As duas espécies foram selecionadas porque têm uso difundido e, sobretudo, são genuinamente brasileiras. Muito do que se considera brasileiro veio de fora. Exemplos são a babosa, a citronela, o capim-santo e a camomila. Todas estrangeiras.

? O povo quase sempre imagina que sabe alguma coisa sobre plantas medicinais brasileiras. Uma erva aqui, um chá acolá. Mas boa parte do que se toma como nativo é exótico. Nossa tão falada biodiversidade continua a ser uma desconhecida, muito pouco difundida ? explica Letícia Ricardo, principal autora do estudo e que trabalha com políticas públicas de uso de fitoterápicos no Ministério da Saúde.

DESDE OS TEMPOS DE COLÔNIA

A copaíba e o barbatimão também foram escolhidos porque apresentam potencial para o desenvolvimento de fitoterápicos aperfeiçoados, sem risco de efeitos colaterais imprevistos e na dosagem correta. Eles têm ação no tratamento de lesões na pele, área para a qual faltam medicamentos baratos e de boa qualidade, observa Letícia Ricardo.

As cientistas desenvolveram um método para identificar quais as aplicações mais prevalentes ao longo de cinco séculos. Chamaram isso de ?resiliência do uso?, cuja explicação mais óbvia são os bons resultados. O estudo, publicado na revista científica ?Journal of Ethnopharmacolgy?, é uma viagem que começa na Colônia. Ao todo, foram selecionados 101 livros, publicados de 1576 a 2011. O peso maior da análise foi dado aos chamados relatos em primeira mão, de naturalistas, viajantes e exploradores que conheceram as plantas, as viram serem empregadas e descreveram com a maior fidelidade possível suas experiências pessoais.

? Hoje, muitas vezes, isso já não é possível. Então, recorremos aos relatos antigos. Há cada vez menos vozes para transmitir um saber que era, sobretudo, oral ? observa Maria das Graças.

Para a copaíba, o registro mais detalhado começa com Pero de Magalhães Gândavo, em sua ?História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos de Brasil?, de 1576. Embora o jesuíta José de Anchieta já a tenha mencionado em sua carta de 1560. Anchieta disse que o óleo ?exala um cheiro muito forte, porém suavíssimo, e é ótimo para curar feridas?, sabe-se lá o que considerasse ser forte, porém suavíssimo.

O barbatimão teve que esperar mais de dois séculos para fazer história. Foi só em 1812 que entrou nos registros, pelo médico e botânico português Bernardino Antônio Gomes. Este destacou que por ser rica em taninos, a casca do barbatimão era fortemente adstringente. Já era empregada como cicatrizante, mas também para tratar doenças venéreas. E ?em todo o tempo tem sido famosa no Brasil pelo uso familiar, que dela costumam fazer as prostituídas para reparar a relaxação dos órgãos genitais, que induz a devassidão, e para fingirem possuir o que os seus primeiros desacertos lhes fez perder para sempre?, escreveu Gomes sobre a suposta capacidade da casca do barbatimão devolver a virgindade às mulheres.

A copaíba, bem mais difundida que o barbatimão, conquistou desde o início a simpatia dos portugueses ao ajudar na cicatrização das flechadas que recebiam dos índios. Por sinal, foi com estes que os portugueses aprenderam sobre a copaíba, mostram obras como o ?Tratado descritivo do Brasil?, de 1587, do luso Gabriel Soares de Souza, que se apresentava como ?senhor de engenho da Bahia, nela residente 17 anos, seu vereador na Câmara etc.?

Aprender com os indígenas não era simples. Conhecimento sempre valeu ouro. Que o diga o príncipe e naturalista alemão do século XIX Maximilian zu Wied-Neuwied. ?Não é fácil conhecer os remédios que usam porque disso, mesmo entre si, fazem segredo. Quando se lhes pergunta como pode ser tratada esta ou aquela doença, respondem: ?Venha conosco à mata, haveremos de experimentar??, relatou sobre os botocudos em sua ?Viagem ao Brasil?, de 1820.

A erosão cultural não poupa nem lugares conhecidos pela História. Num estudo anterior, ao longo da Estrada Real, em Minas Gerais, Maria das Graças viu que muito do conhecimento sobre plantas medicinais havia se perdido. Primeiro, porque os chamados raizeiros deixam cada vez menos sucessores por falta de interesse das novas gerações. Quando morrem, levam junto o saber de séculos de tradição. Além disso, as próprias plantas desaparecerem. ?A Mata Atlântica foi arrasada e o Cerrado segue pelo mesmo caminho. A erosão é total. Erosão de saberes e de biodiversidade?, destaca Maria das Graças no trabalho.

A História chancela as propriedades terapêuticas do óleo de copaíba e da casca do barbatimão para curar lesões. Sim, são, de fato, bálsamos para o corpo. E, não, mostram a História e a medicina, o barbatimão não devolve a virgindade. No máximo, provoca a contração vaginal por ser adstringente. O resto é crendice.

GUIMARÃES ROSA, UM PIONEIRO CONTRA A BIOPIRATARIA

?Namorei uma palmeira, na quadra do entardecer?, escreveu João Guimarães Rosa em ?Grande Sertão: Veredas?. Mas ele fez bem mais do que se enamorar pela flora do sertão, mostra outro trabalho do grupo da UFMG. O escritor a descreveu com o olhar de um naturalista e a protegeu com a visão de diplomata apaixonado pelas coisas do Brasil.

? Ele era um gênio da literatura com alma de naturalista. Sempre nos chamou a atenção a quantidade de vezes com que as plantas apareciam em sua obra ? conta a pesquisadora Maria das Graças Lins Brandão. ? Resolvemos fazer uma revisão e ver se transparecia algum propósito.

O propósito, segundo as cientistas, poderia ser preservar nomes e aplicações das plantas medicinais dos interesses da indústria farmacêutica internacional, que na época em que Rosa escreveu suas obras começava a se instalar no Brasil. Também tencionava, para a equipe da UFMG, proteger o Cerrado ao mostrar a importância de sua flora.

Além de ?Grande Sertão: Veredas?, o grupo analisou ?Sagarana?, ?Noites do sertão?, Primeiras estórias?, ?Manuelzão e Miguilim?, ?No Urubuquaquá, no Pinhém? e ?Tutaméia?. Encontraram nada menos do que 964 nomes de plantas. Um autêntico tratado de botânica popular em meio à fina flor da literatura.

Porém, apenas 13 espécies são medicinais. Um número pequeno que, na opinião das pesquisadoras, só pode ter sido intencional. Vasto conhecimento sobre plantas medicinais não faltava a Guimarães Rosa, observa Maria das Graças. Ele nasceu em Cordisburgo, nos cerrados de Minas, e trabalhou como médico no sertão mineiro no início da carreira. Em ?No Urubuquaquá, no Pinhém?, por exemplo, escreve ?quem tiver cabeça-inchada, traz aqui, que eu vou curar; com leite de gameleira, resina de jatobá?.

No entanto, ele menciona indicações medicinais claras apenas de quatro espécies: angico, arnica, assa-peixe e pimenta-de-macaco. Todas então já bem conhecidas, não trazendo novidade alguma. A arnica em questão não era nem brasileira. E o assa-peixe e o angico já eram explorados pela indústria.

? Rosa era diplomata e visionário. Certamente acompanhava os interesses estrangeiros sobre as nossas plantas. Para nós, foi um pioneiro contra a biopirataria e a devastação ambiental ? diz a pesquisadora.

ELAS PARECEM COISA NOSSA, MAS VIERAM DE LONGE?

Camomila (Chamomilla recutita). Da Ásia e da Europa. Tem usos medicinais e cosméticos. De calmante ao tratamento de alergias, insônia, lesões e reumatismo.

Babosa (Aloe vera). Da África. Uso cosmético, cicatrizante e contra problemas intestinais. A babosa é tão popular que está em cremes, sabonetes, xampus e até em sucos.

Manjericão (Ocimum basilicum). Da Ásia. É conhecido como tempero, mas tem muitos outros usos, de combate de problemas digestivos a tratamento de dores e lesões.

Citronela (Cymbopogon nardus). Da Ásia. Popular como repelente de insetos (em velas, por exemplo), é calmante e bactericida. Muito comum ainda na aromaterapia.

Funcho (Foeniculum vulgar). Da orla do Mediterrâneo. Conhecida como erva-doce, é diurética, usada contra males digestivos e relaxante muscular.

Arnica verdadeira (Arnica montana). Da Ásia e da Europa. Reconhecida por sua ação analgésica, anti-inflamatória e antisséptica. Uma das mais populares por aqui.

Capim-santo (Cymbopogon citratus). Da Ásia. Também chamado de capim-limão. Usos como calmante, para problemas digestivos, febre e dores dentre outros.

Boldo (Peumus boldus). Do Chile. Sua ação é principalmente sobre o fígado, usado em problemas digestivos. Também é empregado como sedativo e desintoxicante.

Fonte: O Globo

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