Quem gosta de futebol conhece a máxima: "O medo de perder tira a vontade de ganhar". A indústria brasileira
sempre jogou na defesa no comércio exterior. Todo o esforço era direcionado à barragem dos importados.
E exportar nunca foi prioridade. Por isso, a participação nacional no comércio mundial está em
torno de 1,2% do PIB desde 1950. "A indústria no Brasil sempre teve preferência pelo mercado interno, onde consegue
bons lucros sem competir com empresas estrangeiras mais eficientes", diz o economista Albert Fishlow, do Centro de Estudos
Brasileiros da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Por tudo isso, causa surpresa (boa, ressalte-se) um movimento inicial
na própria indústria a favor de maior abertura comercial. "Parte dos empresários percebeu que, se a situação
continuar do jeito que está, todos sairão perdendo", diz o economista José Roberto Mendonça de
Barros, sócio da consultoria MB Associados. Entidades como a Confederação Nacional da Indústria
(CNI) e o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), além de associações e sindicatos
setoriais, começam a avaliar que participar de forma mais ativa das trocas globais é uma necessidade para o
parque fabril brasileiro aumentar a produtividade e reverter seu lento declínio. "A defesa do mercado interno para
os fabricantes instalados aqui, sozinha, não foi nem será suficiente para aumentar a produtividade do país.
E preciso haver mais competição." O raciocínio não é de um economista da Universidade de
Chicago, instituição com forte viés liberal. E de Pedro Passos, presidente do Iedi. Com 62 anos, o co-fundador
da fabricante de cosméticos Natura talvez seja a principal liderança dessa cruzada. O Iedi tem discutido com
governo e empresas a necessidade de o Brasil realizar acordos de livre comércio com outros países. Junto está
a CNI, que, há alguns meses, divulgou o "Mapa Estratégico da Indústria 2013-2022". No documento, ao lado
do ataque aos conhecidos formadores do custo Brasil - burocracia e infraestrutura capenga -, a CNI clama pela realização
de acordos de livre comércio entre as medidas urgentes. "Um dos motivos da perda de competitividade da indústria
é a defasagem tecnológica, um efeito negativo do fato de não termos internacionalizado nossas empresas,
diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI.
Até pouco tempo atrás, quando falava
em competitividade, a indústria brasileira só pedia por juros baixos e câmbio favorável. Admitir
participar da disputa global por mercados é uma pequena revolução. E faz todo o sentido. Os produtos
da Alpargatas, por exemplo, passarão a ser taxados em 18% ao entrar na União Européia a partir de 2014.
Se houvesse um acordo de livre comércio, as sandálias Havaianas continuariam a ter o preço médio
de hoje, cerca de 27 euros. "Duas coisas sempre funcionam melhor quando estão abertas: paraquedas e economia", diz
Márcio Utsch, presidente da Alpargatas. Há outras vantagens na abertura comercial: "A competição
externa força as empresas a se tornar mais eficientes e a ter produtos melhores", diz Danny Leipziger, professor de
Comércio Internacional da Universidade George Washington, dos Estados Unidos. E fácil entender: a empresa que
não tiver produtos tão bons e competitivos quanto os similares de fora perderá mercado. "Por isso a abertura
comercial traz benefícios que vão além do acesso a novos mercados", diz Rogelio Golfarb, vice-presidente
da montadora Ford. Um desses ganhos é a redução do custo de capital. A abertura feita há 20 anos
provocou queda nos preços de máquinas de 52% de 1990 a 1995. Hoje, a indústria local é onerada
com um preço do aço que é o dobro do americano - a nova abertura abateria custos como esse.
O
que está por trás da mudança de postura de parte das lideranças empresariais (nem todas, diga-se)
é a constatação de que, nos últimos anos, o Brasil se tornou um país mais protecionista,
mas isso não melhorou a situação da indústria. Segundo o centro de estudos Global Trade Alert,
desde 2009 o país adotou 36 medidas anti-importados. E mais do que fizeram os 28 países da União Europeia
juntos. Ficamos para trás na realização de acordos de livre comércio em relação
aos vizinhos Chile e Peru. Mesmo com o isolacionismo, a produção industrial está no patamar de três
anos atrás. Setores que tentaram se proteger das invasões estrangeiras com alíquotas de importação
altas perderam mercado. Em 2010, o parque fabricante de calçados produzia 894 milhões de pares e empregava 349
000 pessoas. No ano passado, a produção caiu para 864 milhões de pares; e o número de trabalhadores,
para 330 000. "Precisamos ganhar novos mercados", diz Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira da Indústria
de Calçados.
ABRIR, MAS COM CUIDADO
A revisão de atitude no meio empresarial não é
uma onda "ultraliberal" de defesa da abertura irrestrita e imediata. O que se pede é uma política mais abrangente
de competitividade. Tome--se o caso da produtora de alumínio americana Alcoa. Suas duas fábricas no país
estão entre as cinco mais eficientes do grupo, que tem 25 unidades no mundo. Quando entram em cena carga tributária,
custos logísticos, entre outros desastres brasileiros, a competitividade se esvai. "Se fizermos a abertura sem um projeto
de competitividade, vários setores vão desaparecer", diz Franklin Feder, presidente da Alcoa. Outra restrição
diz respeito a países como China e Bangladesh. "Não podemos competir com quem subsidia exportação,
tem câmbio artificialmente desvalorizado e custo baixo de mão de obra por oferecer condições precárias
de trabalho", diz Domingos Mosca, coordenador da área industrial da Associação Brasileira da Indústria
Têxtil. "Nada disso deve ser fator de entrave à maior abertura", diz Pedro Passos. Contentar a todos é
impossível - perdas serão inevitáveis. Mas, no fim das contas, o Brasil sairá ganhando.
O RACHA NO RIO DE JANEIRO
O PROTECONISMO DIVIDE A ELEIÇÃO À FEDERAÇÃO FLUMINENSE DAS INDÚSTRIAS
A eleição para a presidência da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, marcada para 19 de Agosto (esta edição foi fechada no dia 13), é uma queda de braço entre empresarios protecionistas e os que admitem maior abertura. Essa ala é representada por Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, que comanda a entidade de 1995 - sempre venceu eleições com chapa única. Agora, finalmente, enfrenta um opositor: Ariovaldo Rocha, presidente do Sindicato Nacional da Indústria Naval. Rocha lidera a defesa do protecionismo. O carro-chefe de sua campanha é o lobby responsável pela reativação de estaleiros no país com empurrão oficial. O setor, com 1.900 funcionários em 2001, hoje emprega 70.000. Sócio de um estaleiro em Niterói, Rocha foi elemento-chave na criação da política de conteúdo local que obriga a Petrobrás e as demais petroleiras a comprar plataformas e navios fabricados no Brasil. Em 2002, ele foi pessoalmente ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que encampou o plano. Sobre os atrasos nas entregas e o preço mais alto cobrado pelos staleiros locais, Rocha diz que são compensados pela geração de emprego. E defende proteção similar para outros setores, diante do que chama de "enxame de importados". Diz ele: "Antes de uma abertura, nosso custo precisa ficar competitivo com o internacional".
Já Vieira sempre foi voz dissonante entre os líderes industriais. Fala menos em protecionismo e mais em competitividade. É essa a tônica da maoria dos estudos realizados pela Firjan, como diagnósticos da qualidade dos serviços nos aeroportos de carga. Vieira defende maior inserção do Brasil no comércio global, com reserva de mercado só para setores estratégicos, como o de pretóleo. "É claro que precisamos manter empregos, mas o Brasil já foi uma ilha no mundo, e isso não deu certo", diz Vieira. "A sociedade quer os melhores produtos com os preços mais baixos." O vencedor tomará posse dia 14 de Outubro.
Fonte: Revista Exame
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