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O verdadeiro papel dos bois no aquecimento global

Publicado em 24/09/2018

Bois e vacas produzem metano, um gás-estufa muito mais poderoso que o dióxido de carbono dos motores a combustão interna. E os bovinos fazem isso em quantidades industriais, 24 horas por dia, sete dias por semana. O metano (CH4) em forma de gás é o grande subproduto da digestão dos bois (e de todos os outros ruminantes, como ovelhas e girafas). Esse gás vai se acumulando no rúmen, o principal dos quatro estômagos desses bichos, e sai praticamente todo pela boca do animal e não pelo "escapamento", como o senso comum imaginaria.

Nada do que falamos até agora é um assunto novo. Faz mais de 10 anos que começaram os alertas sobre o perigo que o metano representa para o clima. Essas notícias nos avisavam que o metano era um gás 25 vezes mais potente que o CO2 na capacidade de gerar efeito-estufa ou seja, de prender calor na atmosfera, aquecendo o planeta ao longo do processo.

A novidade agora é outra: estávamos errados. E para pior. Não é que o metano tem 25 vezes mais poder que o CO2. São quase cem vezes. Isso muda tudo.

Pela nova contabilidade, constata-se que bois e vacas respondem sozinhos por quase um quarto da emissão de gases- estufa no planeta. Ou seja: estão em pé de igualdade com os outros dois vilões mais célebres: o setor de transportes (carros, navios, aviões) e de energia (as termelétricas). No Brasil, então, nem se fala. Existem mais bois no Brasil do que brasileiros: são 212 milhões de cabeças de gado, contra 205 milhões de cabeças de gente. Só na Índia, onde o bicho é sagrado, existe mais boi do que aqui. Entre os rebanhos comerciais de fato, o Brasil é o líder, com mais cabeças que o  segundo e o terceiro colocado juntos (China e EUA), e quatro vezes mais que a Argentina, a quarta colocada. Agora, se contabilizarmos o metano que sai dos nossos pastos mais o CO2 que sai das nossas florestas queimadas para virar pasto, temos um dado alarmante: o de que metade dos gases-estufa produzidos em território nacional vem da criação de gado. O grande inimigo do clima por aqui, então, não está na sua garagem. Está no seu prato, no copo de leite, no brigadeiro.

Mas por que é que essa questão do poder real do metano só veio à tona agora 

Bom, o ponto é que  ela ainda não veio à tona. O que temos hoje são cientistas, muitos cientistas, defendendo que o papel do metano para o aquecimento global é bem maior do que aquele que vem sendo apresentado na última década, e que tudo o que é divulgado sobre o potencial desse gás deve ser revisto, para cima.

Trata-se de uma questão técnica, mas fundamental para você entender essa história toda. Primeiro: não é mentira que o CH4 seja "só 25 vezes mais destrutivo que o CO2. Quando os cientistas fazem esse tipo de cálculo, levam em conta o tempo de vida que cada gás tem na atmosfera. O dióxido de carbono tem vida eterna. Sim, ele pode ser absorvido pela respiração das árvores, por exemplo. O vegetal arranca o carbono, que é o "C" do CO2, para usar de matéria- prima para o seu tronco, e devolve para a atmosfera o "O2", ou seja, oxigênio. Sem esse tipo de absorção, e de transmutação, o carbono fica para sempre na atmosfera. É o que acontece em Vênus, onde 400 ºC é uma temperatura amena, já que a atmosfera ali é puro CO2, e o que não falta é efeito-estufa.

Os relatórios sobre o poder do metano bovino como gás-estufa estão ultrapassados. O problema é pelo menos três vez maior do que parecia.

Bom, se o CO2 pode viver para sempre no céu, o CH4 só é eterno enquanto dura. E ele dura pouco. Digamos que Mimosa, a vaca, arrotou 200 gramas de metano na atmosfera hoje. Em 12 anos, só haverá metade disso na atmosfera. Cem gramas do metano original vão ter reagido com outros gases da atmosfera, convertendo-se em elementos menos "estufantes", vamos dizer assim, no caso, dióxido de carbono e vapor d'água. Daí para frente, então, a quantidade de CH4 continua baixando devagar e sempre até sumir de vez da atmosfera.

Bom, todo gás-estufa tem um número relacionado a ele. É o chamado Potencial de Aquecimento Global (GWP, na sigla em inglês). O GWP do metano nos seus primeiros 1o anos de atmosfera é terrível: cem vezes mais que o do CO2. Em 20 anos, quando sua concentração já caiu pela metade há um bom tempo, é 50% disso, certo? Errado. Como nos 12 primeiros anos ele já fez a Terra aquecer um bocado, calcula-se que em duas décadas o metano das Mimosas terá tido um GWP 84 vezes maior. Em um século, enfim, esse potencial cai para 25 vezes. Em 500 anos, para 7 vezes.

Mas qual intervalo de tempo os próprios cientistas devem levar em conta para dimensionar o perigo do metano. O de 12 anos? O de 20? O de 500? Essa é a questão que está mexendo com a ciência hoje. Desde sempre, adota-se o GWP do metano para cem anos. Ou seja, 25 vezes mais poderoso que o CO2. O problema é que isso não passa de uma convenção. Uma convenção que, para muitos especialistas graúdos, não faz o menor sentido. "O uso da escala de cem anos para o GWP do metano é baseado numa ciência completamente ultrapassada. Ela subestima o papel verdadeiro do metano", diz o biólogo e especialista em gases-estufa Robert Howarth, da Universidade Cornell (EUA).

A bronca de Howarth e seus colegas com a convenção de usar os cem anos é a seguinte: o aquecimento global já está acelerado. Fazer previsões levando em conta o potencial de aquecimento global de um gás para daqui a um século, então, não faz o menor sentido. O americano mesmo defende que o mais indicado é usar o GWP de 20 anos, que mostra o metano como 84 vezes mais potente que o CO2. Mais indicado para quê?, alguém pode perguntar. Mais indicado para sabermos quais são, afinal de contas, os maiores agentes do aquecimento global, de modo que tomemos iniciativas concretas para mitigá-los.

Se tem alguém que conhece o ritmo do aquecimento global, esse sujeito é o britânico Peter Wadhams, oceanógrafo da Universidade de Cambridge, e que já liderou mais de 40 expedições ao polo norte para medir o ritmo da redução nas geleiras. Peter é um dos pesquisadores responsáveis por revelar como o aquecimento da atmosfera diminuiu pela metade a cobertura de gelo permanente do Ártico. Tudo num piscar de olhos geológico do final da década de 1970 até hoje. Ciente da velocidade as mudanças no clima, ele não pensa duas vezes quando questionado sobre qual seria o GWP correto para o metano: Eu usaria o de 10 anos.

Uma vaca leiteira emite 20% mais de metano que um boi, já que elas consomem mais calorias. Ou seja: o brigadeiro é pior para o clima do que o bife.

Mesmo levando em conta o de 20 anos, mais light, porém mais consensual, os bovinos surgem como um perigo real e imediato: um único boi lançaria na forma de metano o equivalente a 4,2 toneladas anuais de CO2. Uma vaca leiteira, 5 toneladas, já que consome mais calorias. É o dobro da emissão de um carro. No mundo, existe mais ou menos a mesma quantidade de bois e de carros 1 bilhão e uns quebrados de cada. Logo, entendendo-se que o metano é 84 vezes mais poderoso que o CO2, temos que o arroto dos bovinos representa um problema duas vezes mais grave para o clima do que o escapamento dos automóveis.

No Brasil é pior, naturalmente: são só 34 milhões de carros nas nossas ruas, contra mais de 200 milhões de cabeças de gado nas fazendas. E, no placar de toneladas de CO2-equivalente lançadas a cada ano temos Vacas 911 milhões x Carros 95 milhões. 10 a 1 para as chifrudas. Mesmo colocando as emissões dos caminhões e aviões nesse balaio, a vaca segue invicta: 911 mi  x  253 mi.

Bom, temos que acabar com o motor a combustão interna. Sem dúvida. O quanto antes. Mas mesmo se fizermos isso de hoje para amanhã, a contribuição do Brasil para o aquecimento global continuará basicamente a mesma, dada a imensidão poluidora da nossa pecuária.

Mais: se colocarmos o desmatamento na conta da pecuária, então, sai de baixo. E faz todo o sentido calcularmos dessa forma. Segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora via satélite as queimadas na Amazônia, 60% de tudo o que desmatamos vira pasto. Ou seja: a própria fabricação de pasto novo a cada ano gera mais 230 milhões de toneladas de CO2. Isso eleva o total bovino de emissões a 1,14 bilhão de CO2-equivalente. Metade de tudo o que o Brasil lança, como adiantamos lá no início do texto. 

Mas não é que a solução para a coisa toda é fácil. Esteriliza a boiada toda e criminaliza o churrasco. Achou carvão e picanha no carro do cidadão. Condução coercitiva nele. Seu filho quer brigadeiro na festa. Desce a cinta no bumbum do meliante viciado em derivados de leite. E viveremos felizes para sempre, comendo carne até, já que frangos e porcos (as outras duas grandes fontes de proteína da humanidade) não são ruminantes. Logo, não passam a vida soltando mais metano que uma camionete cabine dupla. E é isso aí. Abraço, leitor. Até a próxima!

Bom, voltemos ao mundo real. Primeiro, entenda melhor nos gráfico aqui embaixo como é que os bois produzem metano:

As vacas só conseguem se alimentar de capim porque no compartimento central de seu sistema digestivo, o rúmen, existe uma legião de bactérias e fungos capazes de digerir celulose, coisa que nenhum animal consegue, só micro-organismos.

No rúmen, rola um processo de fermentação: os micro-organismos quebram as paredes de celulose do capim para comer a glicose que tem lá e defecam gordura, açúcares, proteína por isso o boi não precisa variar o cardápio (as bactérias fazem esse trabalho).  

Acontece que os micro-organismos não soltam só gordura. Outro subproduto da fermentação é o hidrogênio molecular (H2) na forma de gás, que é tóxico às bactérias e fungos do rúmen. 

É aí que entram as árqueas metanogênicas, micro-organismos primitivos, que sevem como lixeiros do rúmen. Eles comem H2 (e CO2 também), limpando o estômago da vaca. Então defecam metano (o CH4). 

Da parte inferior do rúmen, o metano sobe até a "câmara de gás" do órgão. De lá, o CH4 é eliminado por eructação (arroto, sejamos claros). 95% do metano produzido sai por essa via. O resto vai pelo escapamento mesmo.

 

A ideia de reduzir drasticamente o consumo de carne e de derivados de leito planeta afora soa utópica. E é utópica mesmo. Seja pela questão dos hábitos alimentares (um mundo sem hambúrguer nem doce de leite é inimaginável para muita gente, inclusive estes repórteres que voz escrevem), seja pelo ponto de vista econômico. O Brasil mesmo é o maior exportador de carne do planeta. Só com o que vendemos para fora em um ano típico (1,4 milhão de toneladas) daria para fazer um hambúrguer de 200 gramas para cada um dos 7 bilhões de habitantes do planeta se você tem um amigo vegetariano, combine de ficar com o dele.

A carne de boi representa 1,7% do valor de tudo o que o Brasil vende para fora. Parece pouco, mas é a mesma proporção do que exportamos de aviões, via Embraer, a terceira maior fabricante de aeronaves do mundo. Pior. Nosso segundo maior produto de exportação, com participação de 9%, é a soja. Mais de 80% da produção mundial de soja vira ração animal tendo nos bovinos seus principais consumidores (já que no mundo desenvolvido quase não existe boi de pasto o grosso deles vive confinado, comendo ração).

Ou seja: juntando carne de boi e comida para boi, temos que mais de 10% de tudo o que exportamos tem a ver com bifes e hambúrgueres. Comparando dólar a dólar, dá o dobro do dinheiro que levantamos vendendo de petróleo lá fora. Isso dá uma ideia do quão indigesto seria o fim da carne bovina. Mas o problema não é a carne. É o boi. Logo, o ideal seria produzir carne sem usar um boi como intermediário. Parece nonsense, mas isso já faz parte da realidade.

Em 2013, cientistas da Universidade de Maastricht, na Holanda, desenvolveram (e comeram) o primeiro hambúrguer artificial do mundo, feito de células-tronco. Hoje há vários laboratórios no mundo empenhados na criação de carne "in vitro", construída célula por célula. E a tecnologia está caminhando bem. Aquele primeiro hambúrguer custou meio milhão de reais para ser feito. Agora, a aposta é que logo teremos carne de laboratório a R$ 200 o quilo caro, mas não irreal.

A continuarmos nessa toada, talvez nossos netos mal consigam entender como era um mundo em que as pessoas tinham de criar e matar animais para ter carne. Pode ser que eles vejam isso como algo tão absurdo quanto hoje vemos a escravidão. E que, mesmo assim, continuem fazendo seus churrascos, como temos feito nos últimos 2 milhões de anos. do que exportamos de aviões, via Embraer, a terceira maior fabricante de aeronaves do mundo. Pior. Nosso segundo maior produto de exportação, com participação de 9%, é a soja.

Mais de 80% da produção mundial de soja vira ração animal tendo nos bovinos seus principais consumidores (já que no mundo desenvolvido quase não existe boi de pasto o grosso deles vive confinado, comendo ração). Ou seja: juntando carne de boi e comida para boi, temos que mais de 10% de tudo o que exportamos tem a ver com bifes e hambúrgueres. Comparando dólar a dólar, dá o dobro do dinheiro que levantamos vendendo de petróleo lá fora. Isso dá uma ideia do quão indigesto seria o fim da carne bovina.

A continuarmos nessa toada, talvez nossos netos mal consigam entender como era um mundo em que as pessoas tinham de criar e matar animais para ter carne. Pode ser que eles vejam isso como algo tão absurdo quanto hoje vemos a escravidão. E que, mesmo assim, continuem fazendo seus churrascos, como temos feito nos últimos 2 milhões de anos.

Fonte: Super Interessante

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