Blog

Observatórios

Acompanhe nas redes sociais:
  • Twitter
  • Facebook
  • Youtube

O bem-estar animal e a produtividade no pré-abate e abate de aves

Publicado em 13/10/2016

Embora represente um período relativamente curto na vida do animal, é no processo de preparação das aves para o abate e no abate em si que podem ocorrer os maiores problemas de bem-estar. Mais que em qualquer outra fase da vida do animal, é nesta etapa que se observa a forte correlação existente entre a produtividade e o bem-estar animal, em particular pela facilidade com que o trabalho realizado ao longo de várias semanas se perde em um só dia ao se negligenciar as necessidades e o conforto das aves.

É também nesta etapa que fica mais evidente a necessidade de se garantir capacitação qualificada para as pessoas que trabalham diretamente com os animais, já que há intenso manejo e muita manipulação das aves.

De acordo com o conceito estabelecido no Regulamento Técnico de Métodos de Insensibilização para o Abate Humanitário de Animais de Açougue (Brasil, 2000), os procedimentos humanitários de manejo pré-abate e abate envolvem um conjunto de operações baseadas em critérios técnico-científicos que asseguram o bem-estar dos animais desde a sua chegada ao estabelecimento de abate até a morte ocasionada pela sangria, evitando dor e sofrimento desnecessários.

Além disso, a fim de se evitar o sofrimento dos animais e possíveis perdas econômicas, também devem ser considerados todos os procedimentos de preparação para o abate ainda na granja, como a duração do jejum, a apanha e o transporte.

Jejum

O jejum alimentar nos momentos anteriores ao transporte evita desperdícios de ração, visto que não há tempo suficiente para que os animais metabolizem e transformem o alimento em músculo, além de promover o esvaziamento do trato gastrointestinal, o que reduz o desconforto dos animais durante o manejo e a probabilidade de contaminação das carcaças na ocasião do abate.

A fim de propiciar uma melhor compreensão da dinâmica digestiva envolvida na etapa de jejum, é importante saber como ocorre na prática a ingestão de ração e água pelos frangos. As aves comem, em média, a cada 4 horas e bebem água após haverem ingerido ração, solubilizando assim o alimento presente no papo. Imediatamente após haver ingerido alimento, a ave terá o papo duro e meia hora depois, quando já tiver bebido água, o papo estará macio. Cerca de 2 horas e meia depois, todo o alimento terá passado para o pró-ventrículo e, de 3 a 4 horas depois de comer, o papo estará praticamente vazio à palpação, ou somente com um pouco de água. Para que isso ocorra, entretanto, as aves devem ter acesso à água, permitindo a passagem do alimento do papo, do pró-ventrículo e da moela para o intestino.

Imabayashi et al. (1956) observaram que 50% do alimento ingerido somente é excretado dentro de 4 a 5 horas, enquanto Duke et al. (1968) constataram que para excretar cerca de 75% são necessárias até 12 horas de jejum. Já a parte do alimento presente nos cecos, cerca de 10% a 12%, requer um período de aproximadamente 72 horas para ser excretada (Mendes, 2001).

Por mais prolongado que seja o tempo de restrição alimentar, a evacuação intestinal durante o jejum dificilmente será completa, uma vez que as fezes das aves não são compostas apenas por resíduos de origem alimentar, mas, também, de componentes endógenos. Secreções digestivas de origem gástrica, pancreática, hepática e da mucosa intestinal, bem como a descamação da mucosa dos vários segmentos digestivos, perfazem proporções importantes do que é efetivamente eliminado do trato digestivo. Além disso, a eliminação fecal das aves ocorre sempre concomitantemente com a eliminação da urina que, em condições adequadas de hidratação, é relativamente constante nas aves. Assim, por mais longo que seja, dificilmente o jejum pré-abate irá eliminar completamente a excreção das aves até o momento do abate, pois urina e fezes compõem a excreta natural dos frangos.

Período ideal de jejum alimentar: entre 6 e 12 horas

De acordo com Mendes (2001), alguns aspectos tendem a interferir mais no esvaziamento do intestino. Fatores como a temperatura ambiente, baixa atividade do lote devido à pouca luz e o próprio jejum quando prolongado, reduzem o tempo de esvaziamento intestinal.

Quando os carregamentos ocorrem à noite ou na parte da manhã, após o jejum ter sido realizado durante à noite, os animais apresentam uma excreta menor, por conta disto têm volumes maiores de conteúdo gastrointestinal no aparelho digestivo, especialmente nas épocas mais frias do ano. Isso é causado pela baixa atividade dos animais nos horários de pouca luz e frio e pelo menor consumo de água.

Outro aspecto que também contribui para o retardo do esvaziamento é o engaiolamento das aves. Aves colocadas em gaiolas de transporte apresentam maior tempo de esvaziamento quando comparadas a aves mantidas na cama e com acesso à água.

Considerando estas variáveis, o tempo ideal recomendado está entre o mínimo de 6 e o máximo 12 horas para a restrição de alimento. O Regulamento Técnico da Inspeção Tecnológica e Higiênico-Sanitária de Carne de Aves determina um tempo mínimo de 6 horas (Brasil, 1998), e o Código Sanitário para Animais Terrestres da OIE (Terrestrial Animal Health Code, 2013) recomenda o período máximo de 12 horas de jejum para as aves que serão abatidas. Além de minimizar os impactos por perda de peso, este período é o bastante para que o intestino se esvazie de maneira satisfatória, mantendo suas estruturas íntegras o suficiente para que não se rompam durante a evisceração.

Quando há rompimento de vísceras na etapa de evisceração, e a contaminação da carcaça ocorre, a mesma é obrigatoriamente cortada para remoção da parte afetada ou, ainda, em casos de contaminações mais extensas, toda a carcaça pode ser condenada ao subproduto. Contudo, ações corretivas por conta de contaminações aumentam custos, atrasam o funcionamento do processo produtivo e, em muitos dos casos, trazem prejuízos ao planejamento de produção pela necessidade de cortar parte de carcaças (Northcutt, 1997).

Justamente por estes motivos, quando corretamente realizado, o jejum alimentar otimiza o processo produtivo, reduz os riscos à saúde pública e previne maiores problemas no bem-estar das aves.

Períodos curtos de jejum alimentar - menores que 6 horas

Quando o período de jejum é curto, o trato digestivo das aves apresenta-se cheio e com pressão intraluminal aumentada no momento do abate. Nesses casos, o intestino ocupa uma grande parte da cavidade celomática, fazendo com que as alças do intestino delgado se posicionem perto de onde a cavidade será aberta pelo equipamento de evisceração. Por essa razão, intestinos cheios acabam sendo facilmente cortados ou rompidos no momento do corte da cloaca e do abdômen. Em adição a isso, processar aves que estão com o trato gastrointestinal repleto aumenta a probabilidade que a força da eventração cause vazamento de material intestinal na parte interna da carcaça (Northcutt, 2001).

Quando o período de restrição alimentar é demasiadamente curto, pode-se observar também problemas no bem-estar das aves. Frangos com o trato digestivo repleto apresentam dificuldades de respirar quando invertidos no momento da pendura. Pelo fato de as aves não possuírem diafragma, o peso do alimento recai sobre o aparelho respiratório, dificultando a respiração e provocando nas aves a reação de bater de asas, o que invariavelmente acarreta em problemas como hematomas, fraturas, dor, e, por consequência, um maior índice de perdas de cortes no frigorífico.

Outro aspecto relacionado a períodos curtos de jejum é o desconforto abdominal das aves ao longo do transporte e espera, visto que a digestão se torna mais lenta ou até paralisada nestas etapas.

Períodos longos de jejum alimentar - maiores que 12 horas

Para evitar prejuízos por contaminações, comumente as empresas implantam demasiados períodos de jejum, sem considerar a fome, as modificações que a privação do alimento provoca no comportamento das aves, na estrutura tecidual e na flora do aparelho digestivo à medida que o jejum se estende. Com o prolongamento do jejum, a proporção das fezes correspondentes ao que não é de origem alimentar aumenta, alterando a composição química e as características físicas das excretas. Estas tornam-se mais viscosas devido à presença de compostos de alta aderência e de alto potencial contaminante do produto final, como a bile e mucina. Além disso, se o período de restrição for longo, acima de 12 horas, os intestinos tornam-se frágeis e a incidência do rompimento durante a evisceração tende a aumentar.

A longa privação de alimento também causa aumento no consumo de água e materiais contaminados do ambiente, como a cama do aviário e fezes. Soma-se a isso o fato de que o jejum aumenta o pH do ambiente digestivo, reduzindo o número de Lactobacillusspp. e reduzindo as concentrações de ácido lático no meio, o que favorece a multiplicação de bactérias patogênicas como Salmonella spp. e Campylobacter spp.

Acerca das contaminações por bile nas carcaças, sabe-se que o estímulo para que a vesícula biliar se esvazie ocorre por meio da passagem do alimento pelo intestino. Portanto, é comum que durante a ausência de alimento a vesícula biliar aumente de tamanho, rompendo-se facilmente na evisceração.

Quando a vesícula atinge sua capacidade máxima de coleção, passa a drenar bile para o fígado ou duodeno, provocando alteração de cor na moela e no fígado, além de aumentar a probabilidade de contaminação biliar nas carcaças por rompimento.

A produção de gases também é observada em animais privados de alimento por longos períodos. Alças intestinais, ao se encherem de gás, ocupam maior espaço na cavidade celomática e, no momento do corte abdominal, são facilmente cortadas pela lâmina da evisceradora.

À medida que aumenta a duração do período de jejum, aumenta também a perda de peso das aves. Essa perda se dá em função da diminuição no conteúdo intestinal e por desidratação dos músculos.

Além disso, ao se estender demasiadamente o tempo de jejum, alterações fisiológicas indesejáveis podem ocorrer nos músculos, aumentando o pH final da carne, favorecendo a multiplicação de bactérias deteriorantes e patogênicas, o que reduz o shelf life dos produtos, além de comprometer alguns aspectos sensoriais, como a textura, a cor e a aparência geral das carnes.

Um ponto importante a ser destacado em relação ao bem-estar das aves é o fato de que o jejum prolongado aumenta a desidratação dos tecidos. Segundo Lloyd et al. (1978), citados por Viola (2003), restrições severas de água podem levar a um aumento da frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura retal, provocar dormência e/ou ardor nas extremidades, aumentar a concentração sanguínea, reduzir o volume do sangue e dificultar a circulação por consequência.

Ainda, a desidratação dos tecidos aumenta a resistência à passagem da corrente elétrica no momento do atordoamento. Esse efeito, em última análise, dificulta ou impede uma boa insensibilização quando a eletronarcose é o método de atordoamento utilizado no frigorífico, o que, fatalmente, pode culminar no sofrimento dos animais na etapa de sangria.

Procedimentos para a realização do jejum alimentar

Durante o jejum, deve-se deixar os comedouros instalados a um nível baixo até a chegada da equipe de apanha, com a finalidade de ajudar a reduzir a ingestão de cama. Quando terminarem de consumir o alimento, as aves irão bicar os comedouros em vez de ingerir a cama do aviário. É também imprescindível fornecer água constantemente até o momento da apanha das aves. Sem o consumo de água, as aves podem se desidratar e o trato gastrointestinal não se esvaziar.

Uma forma de avaliar a eficiência do jejum na plataforma de recebimento é a palpação de 30 a 50 papos por lote. Caso seja encontrado mais do que 5% de papo cheio, considera-se que houve uma falha no procedimento. A causa dessa falha deve ser investigada e a equipe do frigorífico deve colocar em prática as ações pré-planejadas para este desvio.

Lembre-se que equipes com capacitação diferenciada são o caminho mais rápido e barato para se garantir o bem-estar dos animais, ótimos índices de aproveitamento de carcaça e a rentabilidade que a empresa precisa para alavancar seus resultados financeiros no curto prazo.

Com informações de CarneTec - Blog Leonardo Vega

 

Av. Comendador Franco, 1341 - Jardim Botânico - 80215-090
Fone: 41 3271 7900
Fax: 41 3271 7647
observatorios@fiepr.org.br
  • Twitter
  • Facebook
  • Youtube